3. Populações Guarani
Nesta parte do projeto MArquE Virtual, vamos falar sobre uma história que iniciou há muito tempo atrás e que diz respeito aos antepassados dos Guarani atuais.
De matriz cultural Tupi e vinculados aos povos Tupi-guarani, os Guarani tiveram sua origem possivelmente no sudoeste da Amazônia, mais especificamente no estado de Rondônia, entre a bacia dos rios Madeira-Guaporé. Por volta de 2500 anos antes do presente (A.P.), iniciaram um movimento migratório a partir da Amazônia que chegou a se estender para o Paraguai, nordeste da Argentina, Uruguai e Bolívia, chegando também ao sul do Brasil. Utilizando-se dos grandes rios (Paraguai e Paraná) e seus afluentes alcançaram a região meridional, primeiramente o interior das selvas e, em seguida, atingiram o litoral.
Dados arqueológicos e relatos dos primeiros exploradores europeus apontam que seus territórios formavam uma verdadeira rede de comunicação, os guarás. Pelos caminhos (guarás), abriam clarões e instalavam suas aldeias, formavam roças e trilhas que levavam a outros assentamentos, configurando um amplo território de domínio cujas funções estavam relacionadas ao sistema defensivo e econômico, bem como ligados a aspectos práticos e simbólicos, ao intercâmbio de pessoas, informações e conhecimentos. Datações em sítios arqueológicos permitem inferir que parte desses territórios foram ocupados ao longo de centenas de anos, ou até milênios, havendo situações para as quais temos desde as datas mais remotas até ocupações atuais. Pesquisas arqueológicas apontam que os Guarani entraram em contato com populações Jê Meridionais primeiramente no interior e, posteriormente, no litoral. No litoral, também é possível ter havido contato com os grupos construtores de sambaquis, revelando um contexto de intensa interação cultural.
Até o momento, as datações apontam que os Guarani alcançaram o litoral catarinense por volta do ano 1000 da era cristã. Sítios arqueológicos Guarani estão presentes na Ilha de Santa Catarina e no continente, incluindo municípios da Grande Florianópolis. No litoral sul foram cadastrados sítios Guarani entre Laguna e Araranguá. Rohr registrou sítios com cerâmica de Tradição Tupiguarani desde Porto Belo à Jaguaruna. Algumas cidades litorâneas, como Florianópolis, Joinville e São José possuem evidências arqueológicas registradas desde final do século XIX. Em função do intenso crescimento da malha urbana destas cidades, muitos sítios foram impactados, mas há ainda sítios bem conservados e, certamente, sítios a serem descobertos.
Agricultores por excelência, os Guarani tinham sua alimentação baseada no cultivo de diversas plantas como milho, mandioca, feijão, amendoim, batata-doce, abóbora, fumo, entre outros; mas também obtinham outros nutrientes através da coleta de moluscos e insetos, da pesca e da caça.
Dentre os instrumentos e utensílios, recuperados em contexto arqueológico, o que mais abundantemente surge é a cerâmica: são cachimbos, tigelas, pratos e vasilhames para transportar, armazenar, cozinhar e servir bebidas e alimentos. Estas peças, portanto, certamente estavam relacionadas a funções diferentes.
Artefatos líticos foram pouco encontrados quando comparados a grande quantidade de cerâmica, e incluem lâminas de machado, batedores, alisadores, afiadores/calibradores, artefatos lascados utilizados para diversas funções e tembetás (ornamento labial de pedra polida). Possivelmente muitos instrumentos foram confeccionados em matéria-prima perecível como madeira e fibras vegetais.
Foi com os Guarani que os navegadores europeus tiveram os primeiros contatos no século XVI. Seus relatos retratam a vida e costumes deste grupo, incluindo as extensas redes de comunicação que tanto foram úteis na exploração e conquista de novos territórios pelos recém-chegados europeus. Foram os europeus também que denominaram os Guarani do litoral como carijós, desta forma, quando você ler ou ouvir este termo ele se refere aos Guarani e não a outro grupo específico.
A imagem acima mostra uma escavação arqueológica realizada no ano de 1965 no sítio Guarani Lagoinha do Rio Tavares I, sul da Ilha de Santa Catarina. Esta pesquisa, coordenada pelo historiador e arqueólogo Walter Fernando Piazza, revelou a presença de uma urna funerária contendo remanescentes ósseos humanos de um indivíduo.
Aqui podemos ver a evidenciação de fragmentos cerâmicos Guarani relacionados à escavação do sítio arqueológico Travessão do Rio Vermelho, região nordeste da Ilha de Santa Catarina. Esta pesquisa, realizada entre os anos de 2013/2014 e coordenada pelo arqueólogo Lucas de Melo Reis Bueno, obteve, até o momento, as datações mais recentes para um sítio Guarani na Ilha de Santa Catarina: 1580 e 1660 da era Cristã. Essas datas indicam que ao longo dos séculos XVI e XVII, enquanto a Ilha era visitada por viajantes europeus e via crescer as primeiras ocupações coloniais, grupos Guarani seguiam vivendo e ocupando partes da Ilha. Para saber mais, indicamos a dissertação de mestrado “Arqueologia Guarani no Litoral Central de Santa Catarina” de Isabela da Silva Müller, que pode ser consultada aqui.
Dentro desta página você encontra alguns artefatos do acervo do MArquE provenientes de sítios Guarani do litoral de Santa Catarina, assim como mais informações. Clique nos links abaixo para acessar as imagens e textos!
Para saber mais, sugerimos o acesso aos seguintes materiais:
A ocupação humana na região sul do Brasil: arqueologia, debates e perspectivas 1872-2000, artigo de Francisco Silva Noelli
Sem Tekoá não há Tekó, dissertação de Francisco Silva Noelli
Arqueologia Guarani no Litoral Central de Santa Catarina, dissertação de Isabela da Silva Müller
Um modelo de ocupação regional Guarani no sul do Brasil, artigo de Rafael Guedes Milheira
Referências:
SCHMITZ, P. I. Migrantes da Amazônia: a tradição Tupi-Guarani.In: Kern A. A. (org.) Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. 2ª edição, Mercado Aberto, pp. 295-330. 1997.
MÜLLER, L. M.; SOUZA, S. M. de. Enterramentos Guarani: problematização e novos achados. In: Carbonera, M. e Schmitz, P. I. Antes do Oeste Catarinense – Arqueologia dos Povos Indígenas. Chapecó: Editora da Unochapecó. 2011.